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A castração química e o medo do escuro

 Segundo episódio da série Tudo o que descobri sobre a pílula e porque decidi não tomá-la.


Não vemos as coisas como elas são: as vemos como nós somos.
 Anaïs Nin

A decisão de parar de tomar a pílula não veio assim, de uma grande coragem e uma intuição clara, às quais cedi sem conflitos. Sendo uma mulher moderna, com mentalidade científica e extremamente racional, não conseguiria seguir meus instintos sem algum tipo de apoio teórico, de evidências que embasassem minhas suspeitas. Não naquele momento, pelo menos. Em parte, minha incapacidade emocional de tomar qualquer decisão que não compreendesse racionalmente, me obrigou a mergulhar em um mundo até então inexplorado, do qual eu não era nativa. Para conseguir fazer sentido de tudo isso, me afundei em uma pilha de leituras fascinantes. E o que eu não podia compreender era como todo esse conhecimento esteve escondido de mim por tantos anos. Nunca me falaram disso na escola, nem em casa, nem na faculdade, nem nas revistas femininas, nem na televisão. Hoje me é muito claro porque tudo isso permanece em um terreno ao qual poucos têm acesso. Mas esse é assunto para outro momento...

Inicialmente, ainda focada nas questões de sáude, nos meus exames alterados, busquei compreender os efeitos da pílula sobre o meu corpo; entender exatamente como ela funcionava. Por incrível que pareça, e me envergonho disso (especialmente pelo fato de ser bióloga), percebi que sabia muito pouco sobre os métodos contraceptivos que existem: sua forma de atuação, seus efeitos colaterais a curto e a longo prazo, a história do seu desenvolvimento e, principalmente, o tipo de relacionamento com o corpo que cada método permite ou incentiva.

Sempre tive a mania inconveniente (para os médicos, pelo menos), de abrir todos os meus exames e buscar na internet ou em livros informações sobre os resultados que recebia, as doenças de que suspeitava, os efeitos dos remédios que tomava. Embora os médicos sejam unânimes em condenar esse tipo de comportamento, hoje faço apologia a ele, e à autonomia e poder de decisão dos pacientes em relação a sua própria saúde. E, embora a internet possa ser um campo perigoso e de muita desinformação, acaba por tornar menos hierárquica a relação entre os médicos e os pacientes - é o mesmo que vem acontecendo nas escolas, para grande receio dos professores.

Eu continuava com minha inconveniência durante as consultas, com todas as perguntas possíveis e imagináveis sobre fisiologia e a forma de atuação dos medicamentos; ou com indagações sobre as razões para a prescrição de determinada dieta, vitamina ou procedimento. Por mais que fosse plenamente capaz de compreender os intrincados mecanismos do corpo, as interações de hormônios, as funções de cada órgão, sempre era dispensada com meias explicações e discursos obscuros, como se ninguém fosse capaz de compreender os complicadíssimos diagnósticos a que os brilhantes médicos chegavam depois de passar por décadas de estudos e treinamento. Quem era eu para tentar compreender? Como ousas questionar os desígnios de seu Médico? Aquele que sabe, aquele que vê. Percebi que a síndrome de House (SHO) - doença daquele médico "brilhante" do seriado, que sempre sabe mais do que qualquer paciente, não só sobre as suas doenças, mas sobre as suas mentiras e mais do que isso, sobre o que é melhor para eles - é uma doença perigosa, contagiosa e muito prevalente entre os médicos. (Tenho certeza que acabo de entrar na lista negra dos pronto-socorros de São Paulo; quicá do Brasil).

Descobri o valor da internet livre nesse época. E percebi também que, infelizmente, pode-se viver com pleno acesso à internet sem tirar nenhum proveito dela, ao usá-la de forma tímida, conservadora, buscando as mesmas autoridades, as mesmas mídias; lendo os portais tradicionais, se mantendo submisso às velhas fontes de (des)informação que dominam o rádio, a TV e a imprensa brasileira de forma geral. Mas, por sorte, sabia como fugir disso. Sabia que para achar o que precisava não bastava procurar por "efeitos colaterais da pílula", não bastava ir às fontes de informação oficial, aos sites de órgãos do governo. Tinha que arriscar ouvir as vozes que ninguém mais queria ouvir. As vozes que diziam o que eu queria dizer mas não podia, que falavam sobre o que eu sentia. As vozes que viam o mundo da mesma forma que eu. Por que o discurso dominante, o consenso assassino, é o que há uma verdade sobre as coisas; que as coisas são como elas são. E se há uma forma de acessar a essência dos fenômenos do mundo, essa forma é a Ciência. E todas as verdades que a Ciência descobriu foram bem divulgadas e estão disponíveis, ao acesso de todos.
Em parte, o ensino de Ciências, da forma como é feito hoje, contribui muito para que se aceite as descobertas científicas como dogmas, revelados por cientistas iluminados - geralmente homens do hemisfério Norte.

Nessa busca pelos becos obscuros da internet, descobri dois livros que falam de forma aprofundada sobre os efeitos da pílula e sobre como seria possível regular os hormônios, conseguir contracepção segura, eficiente e prática sem ela. Infelizmente os dois ainda não foram traduzidos para o português, mas pretendo falar sobre os pontos mais importantes deles aqui no blog. Para quem lê em inglês, sugiro dar um espiada nos trechos que estão disponíveis para acesso grátis.

O primeiro livro se chama The pill: are you sure it's for you? (A pílula: tem certeza que é para você?). Nesse livro, descobri a real lista dos efeitos colaterais da pílula, com indicações de diversos estudos científicos e relatos de tantas mulheres que sofreram os efeitos de depressão, perda de libido, mudanças de humor, aumento de peso, osteoporose, enxaquecas, trombose, fadiga crônica, câncer de mama, câncer de colo de útero, infertilidade, deficiências nutricionais e como eu já esperava, alterações nos níveis de colesterol e triglicérides. Mas como? Meu médico só havia me perguntado se eu fumava? A pílula não trazia riscos só para as mulheres fumantes, com mais de 35 anos? Não me haviam perguntado se eu aceitava esses riscos. Afinal, é tudo uma relação entre os riscos e os benefícios, não é? Com as informações que eu tinha agora, os riscos se mostravam cada vez menos aceitáveis e os benefícios bastante questionáveis. 

O segundo livro se chama Balance your hormones, balance your life: achieving optimal health and wellness through Ayurveda, Chinese Medicine, and Western Science (Equilíbre seus hormônios, equilibre sua vida:  alcançando saúde e bem-estar através da Ayurveda, da Medicina Chinesa e da Ciência Ocidental). (PS: Sim, sou adepta de abordagens holísticas, e não só em relação à saúde). Nesse livro as noções de sáude das medicinas orientais são mescladas à ciência moderna de uma forma bastante inovadora. Sugiro que os dois livros sejam lidos em conjunto, para quem se interessar.

Pretendo trazer mais informações desses dois livros em outros momentos, mas por ora deixo as indicações.

Não se enganem. Eu tinha medo do meu corpo, tinha pavor de ser deixada sozinha no mesmo quarto com ele, especialmente na TPM ou naqueles dias de cólica intensa. Tinha medo da acne, tinha medo de quem eu podia ser sem a pílula. A pílula é uma droga de estilo de vida, é a droga que tomei para ser uma mulher responsável, em controle do meu corpo. Eu era a primeira a exaltar a pílula como a responsável pela autonomia das mulheres, como grande conquista do movimento feminista. Tomá-la fazia parte da minha rotina há 9 anos. Tinha começado a tomá-la antes de ter ideia de quem eu era; de como meu corpo funcionava. Quem seria eu, sem a pílula? Não bastava simplesmente deixar de tomá-la, não era só uma decisão prática. Era o começo de uma reinvenção da minha identidade enquanto mulher. Era a mudança de uma lógica de controle autoritário sobre o meu corpo, para uma lógica de comunicação, aceitação e carinho.
Era a superação de uma lógica masculina, de dominação, conquista, força e controle, para uma lógica feminina, de diálogo, diversidade, aceitação, fluxo, interação, cooperação. Essa não era uma simples escolha individual; era uma ação política.


Não conheço nenhuma mulher - virgem, mãe, lésbica, casada, celibatária, tire ela seu sustento como dona de casa, garçonete de festas ou técnica de tomografia cerebral - para quem o próprio corpo não seja um problema fundamental: seus significados encobertos, sua fertilidade, seu desejo, sua assim chamada frigidez, seu discurso sangrento, seus silêncios, suas mudanças e mutilações, suas violações e maturações. Existe hoje, pela primeira vez, a possibilidade de converter nossa fisicidade ao mesmo tempo em conhecimento e poder.
Adrienne Rich - Of woman born: motherhood as experience and institution (Do nascimento da mulher: maternidade como experiência e instituição). Trecho citado no livro A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução, de Emily Martin. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. p. 31.


Para mim, é muito claro que os métodos hormonais de contracepção são métodos de castração química, de anulação do ciclo menstrual, de não aceitação de uma fertilidade que passou a ser construída como patológica. E o problema mais grave é que nosso ciclo não está só relacionado com nossa fertilidade, com a função reprodutiva, mas com nossa saúde geral e com a plena potência do corpo feminino para atuar no mundo, com sua libido, com seus desejos.


A questão era se alguma mulher iria tomar uma pílula todo dia para prevenir-se da gravidez. Eles acreditam que ninguém vai fazer isso; não quando nem estão doentes, e elas não estão doentes.
James Balog, Merck Pharmaceuticals (The doctor's case against the pill, Barbara Seaman)


Se a questão era que as mulheres não estavam doentes para tomar uma pílula, bastava reavivar antigos fantasmas da fragilidade constitutiva das mulheres. Bastava patologizar seu ciclo reprodutivo.

[...] "A mulher do século XIX é uma eterna doente", escreve Yvone Knibiehler:
A medicina da Luzes apresenta as etapas da vida feminina como [uma sucessão de] crises temíveis, independentemente de qualquer patologia. Além da gravidez e do parto, a puberdade e a menopausa constituíam também, a partir de então, provocações mais ou menos perigosas; e as menstruações, feridas dos ovários, abalam, diz-se, o equilíbrio nervoso. Todas as estatísticas provam, com efeito, que as mulheres sofreram, no século XIX, de uma morbidez e uma mortalidade superior às dos homens. A opinião pública e numerosos médicos incriminam a 'fraqueza' da 'natureza feminina': causa biológica eterna e universal, que se arriscava a alimentar um fatalismo insuperável. 
Desclocamentos do Feminino, de Maria Rita Kehl. Citação do livro Corpos e corações, de Yvone Knibiehler.

Vivi por muito tempo atormentada pelos fantasmas dessa construção do corpo da mulher como um corpo falho, defeituoso em sua essência. Mas começava a acreditar que não estava doente. Contudo, isso não era suficiente para aniquilar o medo que ainda tinha do meu próprio corpo. Medo que teria que enfrentar. Já havia tentando anteriormente ficar sem a pílula; havia parado por 1 ano por conta própria. Mas o medo me fez recair no vício. O medo de que meu corpo fosse se voltar contra mim em convulsões dolorosas, cistos, cânceres e sangue em profusão. O medo do meu corpo, percebo agora, era o medo da escuridão, da incerteza, da falta de controle; da vida. E era com esse medo que teria que lidar.

Apesar de todos os nossos avanços, somos ainda crianças com medo do escuro. Estamos presos em uma baía rasa, de recifes perigosos e ondas gigantes. Mas somos uma espécie abissal, que precisa da pressão de toneladas de água e a escuridão das profundezas; do lodo e das fissuras cheias de magna quente. No nosso ambiente, no fundo do oceano, somos feios e estranhos, mas temos luz própria. Por isso, me oponho às lâmpadas fluorescentes, aos ambientes iluminados das empresas que alimentam gado intelectual; aos hospitais e seus holofotes, que brilham sobre os corpos das mulheres grávidas antes de cortá-las contra sua vontade; me oponho às luzes do conhecimento científico. Voltar à zona abissal é uma tarefa difícil, cheia de riscos. Não há garantias de que se vá sobreviver. O medo é o sentimento que impera. Não só o medo das ondas gigantescas que quebram nos recifes de corais; mas o medo do alto-mar, do silêncio e do peso da água. Nenhuma espécie brilha sob luzes artificiais; nada é gestado sob a ditadura dos holofotes. Estamos todos cegos pela luz. Somos uma espécie abissal, morrendo lentamente em poças temporárias na superfície.

Resolvi retornar. Atravessei a arrebentação e estou no começo de um mergulho longo e solitário. 

Nesse mergulho em apneia, encontrei cavalos-marinhos que cuidam de seus filhotes, peixes que se organizam em cardumes brilhantes e golfinhos que se chamam pelo nome. Nesse mergulho, vi os inacreditáveis homens-polvo dando prazer a uma mulher. O fundo do mar é estranho e incrível. Tem criaturas que nunca foram descritas. Há mistério e calor. Todos fogem de lá porque não podem acender suas lanternas brilhantes que não aguentam a pressão. Fogem porque esqueceram de seus outros sentidos adormecidos. Fogem porque, quando deixados no escuro, não têm como fugir da própria dor.

 Dream of the Fisherman´s wife (Sonho da mulher do pescador), de Katsushika Hokusai.


 Continua...
 






Por que luto contra a medicalização do corpo feminino?

Minha mãe veio ao mundo por meio de uma cirurgia. Chamam de cesárea, ou cesariana. Não entrarei nos detalhes da vida de minha mãe ou de sua sua infância. Mas digo que conheceu meu pai e tiveram meu irmão. Ele nasceu por cesárea, pois minha mãe não teve dilatação. Eu, segunda filha, obviamente não poderia vir ao mundo de outra forma, afinal, se o primeiro parto foi cesárea, no segundo não há opção. Há diversas evidências científicas que comprovam esse fato. Com o agravante de que eu, na minha lentidão característica, já estava passando da 40ª semana. Muito estranho um bebê tardar assim, muito suspeito, perigoso. Ninguém arriscaria esperar. Havia algum problema. Afinal, há suficientes evidências de que não se deve esperar além da 40ª semana, nunca! Para corroborar todas as preocupações dos médicos, nasci com o cordão enrolado no pescoço e roxinha, roxinha. Todos respiraram aliviados quando a equipe médica me salvou desse perigoso cordão, me dando a vida, o que só a medicina pode dar. Minha mãe comenta que sofreu um pouco nos meus primeiros meses. Estava um pouco triste, um pouco exausta, acho que deprimida. Eu tinha muita cólica, mas também dormia muito. Na esperança de deixa-la descansar, não queria nem mamar. Mas tudo isso era perfeitamente normal, faz parte de ser mãe e de ser filha. Minha irmã, terceiro parto, não tinha qualquer possibilidade de nascer por vontade própria, afinal, há inúmeras evidências científicas que atestam que é impossível se fazer um parto normal após duas cesáreas. Simplesmente impossível. Minha mãe foi uma das sortudas mulheres que conseguia amamentar seus filhos sem grandes dificuldades, porque as chances são enormes de mães não darem leite ou terem leites fracos. Além disso, há que se dizer que os suplementos e fórmulas são sempre superiores ao leite das mães, e por isso melhores opções. 

Como muitas das crianças de minha época, usei aparelho nos dentes por grande parte da minha infância, assim como todos os meus irmãos, nascidos de cesáreas. Além disso, meu irmão tinha constantes crises de bronquite, eu de rinite e minha irmã de dermatite. Mas dizem que não há qualquer evidência que ligue esses problemas ao nascimento por cesárea em ambiente hospitalar. Nem à neurose asséptica de se utilizar desinfetantes, sabonetes e demais produtos de limpeza antibacterianos.


Na escola, aprendi que meninas e meninos deviam usar banheiros separados e levar vidas distintas. Que meninas deveriam gostar de meninos e meninos de meninas. Que meninas deviam gostar de bonecas, rosa e de ser bailarina. Com a TV,  entendi que ser bonita e magra era necessário para ser feliz e amada. Que a dieta é parte integrante da vida de qualquer mulher e só traz bons resultados. Que anorexia, bulimia, e compulsão alimentar são problemas individuais de garotas perturbadas.

Ao ver na calcinha o sangue escuro de minha primeira menstruação, não comemorei, não sofri, não me alegrei. Contei para minha mãe e aceitei o fato de que tinha virado mocinha e que, de agora em diante, ia ser atormentada mensalmente por uma maldição que recai sobre as mulheres desde a origem dos tempos. Maldição que traz loucura e muitas dores, que só traz malefícios e da qual se pudessem, todas as mulheres se livrariam. Viveriam sem menstruar. Afinal, para que serve a menstruação senão para nos causar doenças e nos mostrar que não realizamos a nossa função por excelência: engravidar?
   
Sofri cólicas intensas durante a adolescência, o que diziam ser normal. O que seria de uma maldição sem dores? A única solução sugerida pelos médicos era tomar mensalmente analgésicos e antiinflamatórios. Por sorte, minha mãe trazia dentro de si uma medicina mais antiga e me dava chá de canela, bolsa de água quente e falava para não andar descalça no chão frio.


Eis que comecei a tomar a pílula. Ah, a pílula! Com ela, todos os problemas estava resolvidos. Não sentia mais cólicas, nem sangue mais havia, nada além daquele embuste negro que descia todo mês para simular um ciclo normal. Aquele embuste negro que vinha no dia certo. Ah, a pílula! A liberação feminina deve tudo à essa ilustre invenção da medicina. A pílula, que há mais de 50 anos vinha sendo estudada e mostrava pouquíssimos efeitos colaterais. Ah, a pílula! Que deixava as mulheres mais seguras e à vontade na cama, que tinha eficácia de quase 100%, e que, imediatamente ao ser deixada, me permitiria gestar um filho. A pílula, o melhor e mais seguro método anticoncepcional que havia. A pílula que, ao controlar as funções amaldiçoadas do meu corpo, me permitia conhecê-lo e comandá-lo, me libertando como mulher! Com o bônus de me fazer uma jovem responsável, completamente capaz de lidar com minha vida sexual. Ao parar a pílula por um ano, descobri o diafragma e a camisinha, combinação que obviamente não se equipara à elegância e eficiência da pílula. Descobri também um cisto no ovário, algo completamente anormal, que não deve existir em nenhuma mulher e é sempre indicativo de algo sério. O cisto, felizmente e   misteriosamente sumiu após alguns meses da ultrassonografia, exame que deve ser feito anualmente e preventivamente por todas as mulheres, inclusive as saudáveis. O ginecologista, assustado com o cisto que não existia mais, aconselhou-me a voltar a tomar a pílula, porque ela deve sim ser receitada também para tratar diversas desordens menstruais ou hormonais. Recebi amostras grátis de yaz, yasmin e do anel vaginal em diferentes momentos. Mas não há qualquer conflito de interesses quando seu médico recebe amostras, canetas, viagens ou qualquer outro regalo das indústrias que produzem os medicamentos, porque isso faz parte do jogo e todos fazem isso mesmo. O seu médico sempre quer o seu bem e está embasado nos mais bem realizados estudos científicos disponíveis sobre os medicamentos que receita. Não precisamos discutir ou nos informar sobre os efeitos colaterais dos remédios, pois seu médico sempre irá informá-la  corretamente e só irá prescrevê-los visando a sua saúde e seu bem estar físico, mental e psíquico.

Como toda mulher adulta responsável, seguia a rotina de saúde que as mulheres jovens e (aparentemente) saudáveis deveriam seguir: ia ao ginecologista todo ano, religiosamente. A cada ano, me submetia ao papanicolau, ao ultrassom transvaginal, ao ultrassom de mamas e aos exames de colesterol, glóbulos de todos os tipos, hormônios etc. Todos esses exames são imprescindíveis e fornecem as evidências necessárias para que o médico saiba se você está doente, ou saudável. Alterações em qualquer desses exames são indicativos de que há algo errado e que precisa ser investigado de forma mais invasiva; em alguns casos, com biópsias. Os exames genéticos que podem ser feitos agora são excelentes indicadores de doenças futuras, e sua detecção pode ser muito útil para a determinação da linha de tratamento de doenças que acometerão inevitavelmente esse corpo pré-doente. A remoção de mamas, por exemplo, em casos de mulheres portadoras de genes que determinam o desenvolvimento de câncer agressivo, é a melhor forma de se antecipar ao problema. Assim como a remoção do útero ou dos ovários.

Pensando em ter filhos, mas ainda insegura, quis me informar sobre esse mundo da gestação, do parto e do cuidado com os bebês e as crianças. Ouvi de muitas mulheres que as dores do parto normal são in-su-por-tá-veis e que sua vida sexual nunca mais será a mesma se tiver um parto vaginal. Ouvi que as intervenções da equipe médica nunca causam problemas; a oxitocina, a tricotomia, a impossibilidade de movimento da mãe, a não ingestão de água ou comida durante o trabalho de parto, a episiotomia e demais procedimentos médicos, visam a realização de um parto cada vez mais seguro. Ouvi que os riscos do parto em casa são altíssimos e que as facilidades e a segurança do parto hospitalar tornam a cesárea a melhor opção e a mais humana para as mulheres, seus bebês, seus maridos e a equipe médica. O agendamento de cesáreas é recomendado por médicos e gestantes sendo uma boa opção, e por isso muito utilizada no Brasil. O histórico de minha mãe também me fez concluir que, provavelmente, não conseguirei dilatar o suficiente para ter um parto normal. Dizem que o conhecimento médico que respalda todas essas informações é baseado em extensas evidências.

Após o parto, vem a questão: como educar? As crianças hoje em dia estão enfrentando tantos problemas na escola por conta de TDA (transtorno de desvio de atenção) ou TDAH (transtorno de desvio de atenção e hiperatividade), transtorno de espectro autista, transtorno opositor desafiante e tantos outros transtornos e doenças mentais. Qualquer pai ficaria preocupado em ter um filho ou uma filha que nascesse com alguma dessas disfunções orgânicas, causadas por desequilíbrios na bioquímica cerebral. Cabe à família tratar adequadamente seu filho, levando-o a um psiquiatra que irá diagnosticá-lo e medicá-lo correta e objetivamente para que possa se adequar ao ambiente escolar.

Poderia me estender nessa narração semi-fictícia, mas há muitos post ainda a vir.
Voltando à pergunta inicial: por que luto contra a medicalização do corpo feminino?. Eis a resposta.
Luto porque a maioria das pessoas, assim como eu mesma há alguns anos, não irá perceber as mais de 100 informações completamente equivocadas presentes neste texto.

O intuito desse blog é divulgar e debater essas informações.
Se você leu este post, quantas delas encontrou? Se puder, envie-me o número.