Sobre a maldade

Etsuko Fukuya
Hoje não pude sustentar a beleza do dia. Não fui capaz de refletir o bom humor do tempo. Esgotei-me antes do pôr-do-sol. Talvez porque tive uma manhã de comunhão com as forças da natureza, em um ímpeto de perseguir borboletas. Pequenas e sedosas; delicadas borboletas brancas e amarelas que ziguezagueavam em um jardim improvisado dessa cidade de chumbo. Por um momento, pensei em tocá-las, só porque eram belas, só porque expiram em um dia e voam com tanta leveza; porque oscilam no ar, traçando caminhos não lineares, pouco eficientes, só para aproveitar todas as dimensões que o céu lhes dá. Faltam-lhe forças, por isso cedem aos menores caprichos das correntes quentes que emergem do subsolo. Cedem felizes, contudo, pois não há opção; sua impotência frente ao mar de moléculas que é seu meio as liberta.


Sempre tive aversão aos insetos que voam. Os únicos que tolerava eram essas borboletas frágeis como papeis de seda. Nunca suportei a visão das nervuras e segmentos dos insetos maiores, com pés e antenas proeminentes e o poder de voo das asas avantajadas. Acabava envergonhava dos pulos e corridas desesperadas que meu corpo dava, vergonha a que os adultos não mais se sujeitam quando defrontados com os próprios medos. Dizem que as fobias encarnam um horror inominável. Nas asas asquerosas das mariposas, em seu corpo gordo e peludo se projeta um horror primordial; horror da dissolução no éter e no caos pela ruptura de uma lei cruel e sobrenatural. Sinto esse medo especialmente nas manchas pretas e cinzas desses bichos nojentos. É um abismo intransponível, um asco incomparável. O que se condensa nesse inseto alado o deixa pesado como uma estrela morta, tornada buraco negro. Vejo mariposas obesas jogadas nas calçadas, com seu ventre gordo e hirsuto esperando para ser esmagadas por um pedestre qualquer, com sapato social, que nada teme porque transformou o horror em purpurina e luzes de natal. O horror condensado não se sublima com a morte de uma libélula ou de um besouro. Já matei um ou outro. Dele não se foge com a prisão de pobres, a exclusão de estrangeiros, a matança de etnias, o estupro de mulheres ou a destruição da natureza. Dele não se foge. Dele não se foge. 

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