Se o seu médico disser que é estresse, faça seu cartaz e vá protestar em frente à Veja

ALERTA DE CONFLITO DE INTERESSES: Tenho vínculos com movimentos que combatem práticas medicalizantes, patologizantes e dessubjetivantes. Não sou uma autoridade médica, não trabalho no campo da saúde. Sou só uma mulher em busca de liberdade. Não recebo dinheiro de nenhuma indústria, nenhum grupo político. Confio na capacidade de cada um de conhecer-se, pensar criticamente e, assim, decidir como levar sua vida e tomar decisões sobre seu corpo. Acredito na emancipação intelectual, acredito em mestres ignorantes. Não há regras gerais. Se você não é capaz de se desconstruir cotidianamente, não leia esse post. Se você tem todas as certezas, não leia esse post. Se você é incapaz de entender sutilezas, por favor, não leia esse post.

A mulher estressada


Se você não está conseguindo dormir, tem gastrite, refluxo, síndrome de intestino irritável ou diarréia.
Se seus cabelos estão caindo, sua pele está infestada de acne e você chora todo mês na sua TPM.
Se você tem problemas menstruais, sente-se cansada, sem energia e sem ânimo para a vida.
Se você chora sem motivo, está sem libido, e come compulsivamente...

Não se assuste. Você é simplesmente uma mulher estressada.

Quando se consegue escapar de um diagnóstico reducionista essa é a grande descoberta dos médicos atualmente. O estresse afeta a saúde! Palmas para eles! clap clap clap!

Não é preciso se engajar em brigas aleatórias nas ruas, bater em suas amigas ou atirar nos colegas de trabalho. O estresse é silencioso e destruidor. O problema é que temos uma visão infantil do estresse.

O estresse na vida de uma mulher tem outra cara:
-Lista de afazeres domésticos
-Orçamento que não fecha
-Trabalho que não satisfaz
-Opressão
-Apelo consumista
-Terrorismo e desinformação da mídia
-Insatisfação crônica com o seu próprio corpo
-Abuso
-Infelicidade
- Síndrome de super mulher...e muitos etcs.

Mas o seu médico, que quando é responsável o suficiente para não te submeter a tratamentos inócuos e desnecessários, te libera do consultório com um diagnóstico que parece genial! Afinal, ele está reconhecendo o fundo emocional dos meus problemas físicos. A partir daí, a mulher passa então a pensar em como reduzir seu estresse. Sim, atividade física é importante. Sim, momentos para descansar, viajar, sair com os amigos, ter uma vida mais tranquila. Tudo isso é muito importante. E você, sim, você mulher, é a sua própria salvação. Já soube de mulheres, mães, trabalhadoras, que ouviram dos seus médicos que não há desculpa para não fazer atividade física: se você está dormindo 6 horas, durma 4, acorde antes do sol nascer e faça sua caminhada. Depois acorde seus filhos, vista-os, alimente-os com a boa comida orgânica feita em casa e leve-os para a escola. Se arrume, valorize-se, para se sentir bem consigo mesma. Vá trabalhar e dê o melhor de si, que isso traz muita satisfação. Além disso, é importante dormir, é importante ter hobbies, é importante ter amigos, comer bem, trabalhar menos, fazer sexo, ler... Já vi mulheres estressadas correndo entre a aula de yoga, o curso de meditação e a aula de culinária orgânica, tudo na tentativa de alcançar esse nirvana que os médicos e a nossa sociedade medicalizada gostam de pregar.

O que não se fala, o que nunca se fala, é que o estresse que você sente, você, mulher concreta e pontual, você indivíduo, o que não se fala é que esse estresse tem causas culturais, políticas e sociais que vão muito além, mas muito além, do que você como mulher pontual, mulher atômica, poderia fazer para resolvê-lo na tentativa insana de manejar a sua rotina. Lembro-me do angustiante filme "O cubo".



A individualização da culpa é mais uma faceta do nosso querido e sempre amigável capitalismo neoliberal. Mas não se preocupe mulher estressada, você não está sozinha. A mulher deprimida, a mulher com câncer, a mulher obesa, todas te fazem companhia. Porque a depressão é caricaturada como uma disfunção individual de seus neurotransmissores, o câncer é só mais um resultado do estresse e da obesidade e a obesidade...ah, a obesidade é indecência mesmo.

O problema do estresse é que não há mudança de hábito sozinha que vá resolver essa epidemia. Que como qualquer epidemia, tem causas ambientais, que não precisam ser bactérias ou vírus, podem ser contextos políticos e sociais. Mas você não é impotente! Você pode compreender o seu papel nessa epidemia, constatar que está sim doente e procurar os culpados como um matador de aluguel (como a Grace em Dogville).


Mas lidar com o estresse implica entender o mundo em que se vive, estudar história, sociologia, filosofia. Conhecer o feminismo, os movimentos sociais...Implica reavaliar sua vida.
O estresse é a ação paralisada no corpo, é sapo engolido acidificando o estômago. É a injustiça introjetada e aceita como culpa individual. O super homem ficou restrito aos quadrinhos e ao cinema e à filosofia de Nietzsche. Mas a super mulher é muito real e assombra a todas nós.

Se toda essa culpa se revertesse em ação para a mudança...mas ela é inteiramente absorvida pelos nosso corpos frágeis e já abatidos por discursos tão antigos quanto a humanidade, pela impotência, pelo assujeitamento, pelo repressão e alienação frente aos nossos desejos. Pelos hormônios artificiais, pesticidas, e pelos sufocamento dos instintos.

Nessa briga, devemos lutar pelo tempo. Pelo tempo de gestar e criar toda a humanidade, para dar amor aos nossos filhos. Devemos lutar para ter parceiros, não algozes; atendimento médico de qualidade, e não violência obstétrica e medicalização.

Assim, da próxima vez que o seu médico ou a sua médica te dizer que você está estressada, mostre-lhe o dedo do meio, prepare o seu cartaz e vá protestar contra a Veja, a grande divulgadora do discurso medicalizante, que quer fazer você, mulher, mãe, trabalhadora, ser humano exausto e oprimido, assumir na carne todos os efeitos colaterais abjetos de nossa sociedade machista, racista, classista, predadora e alienada. A prescrição que escrevi para mim mesma quando fui diagnosticada uma mulher estressada, foi só uma, e tem me salvado a vida: virei ativista!

Como primeira medida terapêutica, saia na sua janela e grite: Veja, vai tomar no cú!

















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